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A Web que não escuta

Tenho uma prima chamada Dora. Ela está sempre em contato conosco por e-mail ou SMS e presente nas reuniões de família. A única diferença da Dora para os demais membros da família é o fato dela ser surda e muda.

Ela faz leitura labial para se comunicar com a família, gesticula e movimenta a boca pausadamente para transmitir sua mensagem. E faz isso com uma habilidade incrível. Assiste filmes e programas de TV que disponibilizam legendas e adora novelas que disponibilizem os diálogos em um closed caption decente.

Nos últimos anos Dora investiu em um celular mais moderno. No começo as pessoas a questionavam (e até a julgavam) pelo fato de comprar um aparelho tão caro. Mas ninguém levou em consideração o uso constante de mensagens de texto e o envio das fotos tiradas no seu próprio dispositivo para enviar por e-mail ou publicar nas suas redes sociais.

Certo dia, estávamos conversando e resolvi questiona-la sobre o que ela gosta de ver na web: Ela me explicou que gosta de documentários internacionais, já que a maioria deles é legendado.  Ela completou nossa conversa dizendo que infelizmente ela deve priorizar sua escolha para programas que disponibilizam a legenda, deixando em segundo plano  seu gosto pessoal.

A web já deixou de ser um conjunto de hiperlinks de páginas com texto puro há muitos anos. A sua evolução trouxe imagens, movimento, áudio e vídeo para os navegadores. E mesmo com diretrizes de acessibilidade disponíveis, sua implementação ainda é relegada. Se a justificativa de colocar um texto alternativo em uma imagem é o custo e prazos apertados, imagine a implementação de legendas, que costuma ser mais demorada e ainda depende de sincronização?

Antes de discutir a técnica, vale lembrar que acessibilidade em vídeos vai além do acesso de pessoas com deficiência auditiva: Quantas vezes você assistiu um vídeo em seu dispositivo móvel com o som mudo porque estava em um ambiente que exigia silêncio? E quando seu fone de ouvido para de funcionar? Até você adquirir outro, qualquer um pode fazer o uso de vídeos legendados.  A informação e a mensagem devem ser preservadas e transmitidas. Faça um teste. Use esse vídeo do W3C

Utilizar HTML5 para uma legendagem mais simples é rápida é a minha aposta para a publicação de vídeos na web. Vejam por exemplo esse vídeo do W3C Chamado “This Is Coffee”. Ele utiliza legendas em TTML para sincronizar o vídeo com a legenda. O mais interessante é que não é só o texto da narrativa que é exibido com o vídeo:  gotas caindo e sons de relógio são exibidos como as onomatopeias das histórias em quadrinhos.

A legenda em vídeos vai além da reprodução de diálogos: É possível fazer a descrição da cena utilizando um arquivo texto ou XML, que pode ser lido por um sintetizador de voz ou mesmo possibilitar a audiodescrição. Vale citar como outro exemplo um vídeo institucional que o W3C produziu em HTML5 com legendas e uma versão com audiodescrição (além da transcrição do vídeo).

A web está em constante evolução. Costumo mostrar e-mails das listas do W3C dos anos 90 que discutiam a implementação de imagens no HTML em 1993 e alguns anos depois uma nova mensagem sugerindo a criação de textos alternativos para essa nova tag. Nenhum elemento escapa do crivo dos grupos de trabalho que discutem a acessibilidade no W3C.

Ainda existe muito trabalho a ser feito, mas enquanto ainda há discussão sobre a melhor implementação do padrão, podemos ter certeza de que ele levará em conta o acesso de pessoas com deficiência. Esse mesmo padrão que pode possibilitar que a minha prima Dora tenha muito mais opções de vídeos para assistir na web.

Foto de perfil do Reinaldo Ferraz, vestindo uma camisa branca

Publicado por Reinaldo Ferraz em 07 de fevereiro de 2012

*Versão original publicada no Blog do W3C Brasil